domingo, 18 de janeiro de 2015

A retomada de uma velha aliança: o novo capítulo na história de La Doce

Rafa Di Zeo e Mauro Martín: comando novo em La Doce, caras antigas

Por: Felipe Ferreira (@felipepf)


"A verdade é que não importa quem caia, quem vá preso, quem termine com um tiro ou quem saia desse submundo por causa do peso da idade. Aconteça o que acontecer, a La Doce nunca vai acabar. Porque como Di Zeo diagnosticou com precisão cirúrgica, a La Doce 'É herança, herança e herança'. Sob essa promessa, o reino do La Bombonera seguirá sendo governado".

O trecho acima finaliza o ótimo livro "La Doce - A explosiva história da torcida organizada mais temida do mundo", escrita por Gustavo Grabia, e ajuda a explicar o porquê de uma organização de torcedores ser presença constante não só nos noticiários argentinos, mas do mundo inteiro. A história de La Doce é riquíssima de detalhes e, de fato, não se trata de uma simples barra brava. A força da torcida é tão grande que nomes como o de Enrique "El Carnicero" Ocampo, José "Abuelo" Barrita, Santiago "El Gitano" Lancry, Willian "Uruguayo Richard", Fernando Di Zeo, Rafael Di Zeo, Mauro Martín e Cristian Fido Debaus sejam conhecidos e idolatrados tanto quanto jogadores do Boca Juniors, porém são apenas nomes responsáveis por comandar a principal barra xeneize ao longo de sua história.

Fundada entre o fim da década de 60 e início dos anos 70, La Doce veio a constituir não só uma simples organização com o intuito de apoiar o Boca, mas, sim, um negócio bastante lucrativo com marca própria e um domínio sobre o bairro de La Boca, principalmente perante os arredores de La Bombonera. Diante disso, as disputas e golpes pela sucessão do poder da organizada transforaram-se em verdadeiras guerras sangrentas e os dilemas relacionados a tais lutas despertam um interesse que extrapola a fronteira argentina.

Em meio às disputas do Torneio de Verão, tradicional disputa de pré-temporada realizada em Mar Del Plata, a torcida tornou a figurar nas manchetes dos principais meios argentinos, tudo em função de uma disputa pelo poder decorrente desde o fim de 2013 ter tido um aparente desfecho, que trouxe uma velha novidade ao comando da barra. Entre uma relação de idas e vindas, Rafael Di Zeo e Mauro Martín retomaram sua parceria e vem comandando a torcida xeneize em meio aos jogos do Boca na competição amistosa. No entanto, para entender o peso de tal fato é necessária uma retrospectiva antes de tratar especificadamente a respeito da retomada do poder por parte destes dois nomes já bem conhecidos.

A primeira disputa histórica relativa ao poder de La Doce se deu com José "Abuelo" Barrita, famoso pela sua agressividade, tomando o poder de Enrique "Carnicero" Ocampo, pioneiro no projeto de lucrar com atividades relacionadas ao Boca Juniors e a barra brava. Enquanto Abuelo esteve no comando, a torcida modernizou-se, desenvolveu novas atividades além da venda ilícitas de ingressos e, nesse contexto, um novo personagem passaria a ganhar destaque com o passar do tempo: Rafael Di Zeo.

Um incidente após clássico contra o River Plate que culminou na morte de dois torcedores millonarios viria a acabar com Abuelo e outros nomes, então poderosos dentro da barra, sendo condenados à prisão. O incidente deixou uma lacuna no comando até porque Santiago Lancry, escolhido para ser o novo rei de La Bombonera, não despertava vocação para liderar o grupo, abrindo margem para a ascensão de Di Zeo.

Em 1996, Rafa consolidaria-se no comando, o que o condicionaria a um status de superstar até então nunca ostentado pelos outros líderes. Amigo pessoal de Diego Armando Maradona, Di Zeo ganharia destaque no mundo inteiro com suas ações junto a Doce e, enriquecendo cada vez mais com seu cargo, levava uma vida pomposa, exercendo influência no Boca Juniors, na polícia e na política argentina.

Com tanto poder, havia um consenso na Argentina de que nada seria capaz de derrubar Rafael Di Zeo, produzindo uma singular situação de impunidade, mesmo com tantos atos ilegais por parte do chefão de La Bombonera, contudo, em 2007, sua casa caiu. Preso por porte de arma de fogo em uma briga contra torcedores do Chacharita Juniors, Rafa foi obrigado a passar o poder para Mauro Martín, seu braço direito, todavia, uma promessa foi feita e, ao sair da prisão, Di Zeo retomaria o comando.

Rafael deixaria a cadeia em 2011 e, obviamente, reivindicou o cargo exercido até sua prisão, porém Martín negou passar o bastão e, ao lado de Maximiliano Mazzaro, seguiu mandando e desmandando em La Doce, até que, no início de 2013, Mauro, junto a Mazzaro, acabou sendo condenado pelo homicídio de um vizinho seu e, sob indicação de Maxi, o poder da torcida organizada ficou com Luis Arrieta e Fido Debaus, aliados da dupla que se encontrava presa. Detalhe: Arrieta e Debaus chegavam ao poder depois de diversas negociações arquitetadas junto a própria diretoria do Boca Juniors.

No meio de 2013, decidido a recuperar o poder à força, Rafael Di Zeo comandou um grupo de torcedores fiéis a ele em ataques ao grupo de Fido Debaus. Sob esse pretexto, o cenário de guerra formou-se previamente a um clássico contra o San Lorenzo, a ser realizado no Nuevo Gasómetro, e o confronto encerrou-se com um integrante de cada grupo morto. O confronto contra o Ciclón acabaria cancelado com as autoridades alegando falta de segurança, o que tornava notório a delicadeza na nova "guerra civil" pelo comando de La Doce.

A influência de Rafa pouco-a-pouco foi sendo recuperada e, o que menos esperavam, era sua consolidação vir logo no início de 2015 com a retomada de uma aliança vista, até pouco tempo atrás, como improvável. Depois de chegarem a jurar a morte um do outro, Di Zeo e Mauro Martín tornaram-se parceiros novamente e, ao que tudo indica, serão os responsáveis por ditar os rumos da barra a partir desse ano.

Na noite de ontem, o Boca Juniors foi goleado por 4 a 1 contra o Racing em partida do Torneio de Verão. Muitos dos novos nomes contratados para a temporada entraram em campo, contudo, as novidades de maior destaque ficaram pelos acontecimentos na arquibancada.

Havia um certo temor para ontem de um possível novo enfrentamento entre Rafael e Debaus, mas reuniões realizada nos bastidores em meio a última semana ditaram o novo rumo de La Doce. Di Zeo e Mauro Martín tornaram a juntar suas forças, teriam, até mesmo, ameaçado Fido Debaus de morte e o até então chefe de La Doce não aguentou a pressão, pediu para sair. Dessa forma, com o aval tanto da diretoria do Boca como do governo da província de Buenos Aires, a dupla que já reinou sobre La Bombonera estava de volta ao poder.

Proibidos de entrar em estádios na Argentina, a expectativa é que Rafael e Mauro, os novos presidente e vice, respectivamente, de La Doce, comandem a barra à distância. Ontem, a presença de Di Zeo em La Plata foi noticiada, porém o "velho novo" chefe esteve apenas comandando os ônibus com torcedores xeneizes, uma clara demonstração de poder, já dando um notório sinal quanto a quem, de fato, manda.

A partida contra o Racing provocou enorme mobilização policial, entretanto, não houve qualquer incidente. Mesmo com isso, as atenções sobre a Doce recaem com força total, afinal, a história está posta à mesa e, mesmo latente, o perigo está sempre presente. Aguardemos os próximos capítulos.

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